13/04/2018

O último urso em Portugal

Sim, é verdade que já existiram ursos em Portugal. Falo do urso-pardo (Ursus arctos), uma espécie originária da Ásia, onde é conhecida há 450 mil anos. Hoje em dia, habita a América do Norte, Europa, Ásia e até no norte de África. Em tempos, a sub-espécie urso-pardo-europeu (Ursus arctos arctos) era muito comum na Europa, principalmente na Península Ibérica, mas, infelizmente, encontra-se, atualmente, extinta em Portugal. Hoje em dia, na Península Ibérica, temos apenas menos de 100 exemplares na Cordilheira Cantábrica e cerca de 10 exemplares nos Pirenéus.

Características do urso-pardo
Um urso-pardo adulto mede, em média, entre 1,4 a 2,8 metros de comprimento, incluindo a cauda, e 0,7 a 1,53 metros de altura. Os machos pesam, em média, entre 100 a 315 quilos e as fêmeas raramente atingem mais de 200 quilos. A cor natural da sua pelagem é castanha mas há registos de indivíduos brancos, amarelo-acinzentados e pretos. 
Trata-se de um animal solitário, mas que sabe viver pacificamente quando há abundância de alimento. Esta espécie habita em covas ou cavernas localizadas em florestas ou montanhas, podendo aproximar-se de áreas urbanas em certos casos.
O período de acasalamento do urso-pardo vai de meados de maio a princípios de julho. É nas suas covas ou cavernas que este hiberna durante o inverno, período no qual a fêmea dá à luz os seus filhotes, 1 a 3 crias em média. As crias nascem cegas, surdas, sem dentes e com menos de 550 gramas de massa corporal cada uma. É a progenitora quem cria os bebés sozinha e quem lhes ensina as técnicas de sobrevivência nos primeiros anos de vida: 2 anos na Europa e na Ásia e 2 anos e meio na América do Norte.
Falo de um animal omnívoro, ou seja, que come um pouco de tudo: bagas, frutos, insetos (em larva ou adultos), mel, moluscos, peixes, anfíbios, aves, repteis como lagartos e lagartixas, roedores, lagomorfos (coelhos e lebres), ungulados e cadáveres.

Existiram, realmente, ursos em Portugal?
Não há dúvidas de que o urso-pardo-europeu já foi uma espécie icónica em Portugal. Uma das provas é a existência de vestígios de silhas, muros de pedra com paredes de até 2 m de altura e 1 m de espessura, que protegiam as colmeias de predadores robustos como os ursos. Existem 27 concelhos em Portugal onde a presença de silhas está confirmada e 11 onde a presença de silhas é provável.
Há, também, vários documentos históricos que comprovam a existência de ursos em Portugal. Um refere o ataque de um urso a D. Dinis, sendo que este teve de o matar para se defender. Anteriormente, D. Dinis havia já capturado um destes.
Há, ainda, referencias históricas nacionais de engenhos destinados a caçar ursos como o madeiro (uma espécie de trave de madeira).
Temos, também, os documentos históricos nos quais se fala do tributo de condado ou montaria do qual a caça ao urso estava sujeita. Esta lei obrigava os caçadores a oferecem ao rei a parte mais nobre de cada animal abatido.
Além disso, sabe-se, por documentos portugueses, que a nobreza adorava a caça ao urso, sendo esta considerada um tipo de caça de prestigio na Europa medieval.

Como e quando começou a extinção do urso em Portugal?
Ao longo do século XV, o urso-pardo ainda habitava nas regiões a norte do rio Douro e em vários locais no interior do país, nomeadamente na Beira interior e Alentejo. No entanto, é a partir deste século que a distribuição do urso parece começar a diminuir, principalmente a sul, devido à perseguição direta e à destruição de vastas extensões de floresta.
Os animais eram perseguidos, principalmente, por caçadores e camponeses descontentes com os estragos que os ursos provocavam nas colheitas, colmeias e gado.
A destruição do habitat coincidiu com a época dos descobrimentos, sendo grande parte da madeira utilizada para a construção de embarcações. Devido a esta diminuição do número de indivíduos, D. João I proibiu a caça ao urso, mas o povo continuou a persegui-lo.
Por outro lado, temos os incêndios que destruíram, também, grande parte dos habitats destes grandes animais, permitindo que estes ficassem limitados à fronteira do norte do país.
A monarquia tentou proteger a espécie ao proibir a caça ao urso (pelo menos sem licença), porém há sempre aqueles que desrespeitam a lei.

Quando foi morto o último urso de Portugal?
É comum pensar-se que que o último urso selvagem de Portugal foi morto na Serra do Gêres em 1650, visto ser isso que a documentação atual refere. Porém, pesquisas recentes comprovam que a extinção do urso-pardo-europeu em Portugal é bem mais recente.
Há documentos do século XVIII que evidenciam o movimento de ursos no norte de Portugal, junto à fronteira com a Galiza, documentos esses que comprovam, também, a má relação entre os humanos e os ursos. Aquilo que não sabemos é se esses ursos morariam em Portugal ou em Espanha.
Do século XIX, temos a noticia do dia 2 de março de 1835 no jornal A Choronica de Bragança, da região de Bragança. Noticia essa que estava na primeira página dessa edição e na qual se noticiou uma caçada ao urso na Serra de Montesinho.
Porém, foi no dia 2 de dezembro de 1843 que foi morto o último urso dado como português. O animal foi morto por uma multidão que subiu à Serra da Mourela, até ao sitio do Sapateiro, no Gêres, e percorreu, em seguida, todo o vale do ribeiro do rio Mau até encontrarem, no bosque denso, o urso corpulento que procuravam. Depois de o matarem, transportaram o seu cadáver para a vila de Montalegre. A noticia da sua morte não ficou por Trás-dos-Montes e percorreu todo o mundo graças ao livro Urso-pardo em Portugal - Crónica de uma extinção, escrito por Miguel Brandão Pimenta e Paulo Caetano e publicado em Novembro de 2017, em versão bilingue (em português e inglês), pela editora Bizâncio.
Há, também, relatos de avistamentos de ursos em Portugal do século XX. Estes avistamentos deram-se nas Terras do Barroso (região formada pelos conselhos de Montalegre e Boticas), incluindo referências à reprodução destes na Serra do Larouco na década de 20, até ao abate de um macho com cerca de 100 kg em 1957. Porém, não há provas nem certezas à cerca destes avistamentos e, mesmo que houvesse, possivelmente, estes ursos estariam só de passagem, já que, no século passado, este animais se reproduziam em Espanha, a poucos quilómetros de Portugal.

Poderá o urso-pardo regressar a Portugal?
Sim, é possível o urso-pardo poderá regressar, por si próprio, a Portugal, até como indicam os avistamentos do século XX. Além disso, a população espanhola do urso-pardo tem vindo a aumentar nas últimas décadas, após a sua proteção legal.
Porém, para isso, é necessário que os seus futuros habitats sejam recuperados e preservados e que o homem (principalmente dos habitantes locais, mas não só)  pense e se comporte de maneira diferente e mais amiga da natureza.
Caso voltem a habitar Portugal, o mais provável é começarem pelo Parque Natural do Montesinho, dado a ser o local mais próximo dos ursos espanhóis e devido à inatividade humana na região.
Em 2005, foram encontradas pegadas de urso em Peña Trevinca, a apenas 20 km do Parque Natural do Montesinho em Portugal. Possivelmente, um dia, os ursos entrarão em Portugal (se é que realmente não entraram já). Se é para ficar ou não, só o futuro o dirá. 

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